*O escuro sangue urbano movido a juros
Autor: Christiano Souto –
economista, bacharelando em Direito
*frase retirada do poema “A VIDA BATE” de Ferreira Gullar
A respeito do
surgimento da teoria dos contratos, é demonstrado que a relação contratual é
classificada como comutativa (ambas as partes devem estar cientes da situação a
que se obrigam). Mas, a situação de disparidade entre contratantes no sistema
bancário brasileiro é uma triste realidade. O Governo Federal por suas ações e
omissões há décadas vem
executando uma política econômica que possibilita ao sistema bancário lucros
recordes.
O que limita até mesmo nossa capacidade de concorrência internacional, são empresas e trabalhadores reféns do alto custo do capital financeiro. A pressuposta igualdade das partes – que deve haver num contrato - parece atender somente ao lustro formal. Do lado dos bancos temos megagrupos econômicos, com toda sua assessoria jurídica e econômica e do outro, em sua maior parte (sobretudo no varejo), um consumidor desinformado, despreparado tecnicamente e influenciado por campanhas publicitárias.
O que limita até mesmo nossa capacidade de concorrência internacional, são empresas e trabalhadores reféns do alto custo do capital financeiro. A pressuposta igualdade das partes – que deve haver num contrato - parece atender somente ao lustro formal. Do lado dos bancos temos megagrupos econômicos, com toda sua assessoria jurídica e econômica e do outro, em sua maior parte (sobretudo no varejo), um consumidor desinformado, despreparado tecnicamente e influenciado por campanhas publicitárias.
Portanto, não
havendo igualdade dos contratantes como formar-se uma vontade livre e manter o
princípio da autonomia? Grupos econômicos poderosos solapam a liberdade contratual.
É como se o texto contratual fosse um poder paralelo de se fazer leis e
regulamentos privados. Por questão de economia, racionalização, praticidade e
segurança, o banco predispõe antecipadamente um esquema contratual (o chamado
contrato de adesão), oferecido à simples adesão dos consumidores. Pré-redige um
complexo uniforme de cláusulas, que serão aplicáveis indistintamente a todos.
Fracionar o instrumento cláusula a cláusula não é ilegal. Contudo, o emprego do
conjunto do pactuado levará, conforme o caso, a um ganho desproporcional de uma
parte em detrimento da outra.
Você poderia
argumentar que ninguém é obrigado a assinar um contrato, mas na sociedade
moderna, pessoas e empresas, são condicionados a realizar tais contratos mesmo
que representem flagrante desequilíbrio. As relações contemporâneas tornaram-se
tão complexas que mesmo uma pessoa com diploma universitário é enquadrada como
inexperiente frente a um contrato financeiro.
E mais,
existem contratos que a desigualdade é prévia e habilidosamente camuflada em
infinitas cláusulas e condições, que somente ao se chegar ao nível da execução,
do devedor insolvente, é que fica nítido
o quanto foi lesado.
Lesão é, pois,
encargo desproporcional, do qual resulta onerosidade excessiva a uma das partes. O artigo 157 do novo
Código Civil incluiu, entre os requisitos da lesão, a situação de
inferioridade/inexperiência do contratante lesado e o aproveitamento desta
condição pelo beneficiário.
O anatocismo é a
maior ilicitude que lesiona correntemente os consumidores nas operações
bancárias. É encoberto sob as mais criativas rubricas que procuram
outorgar-lhes legalidade. O anatocismo manifesta-se sob a cobrança de juros sob
juros (acumulação de juros vencidos ao capital ou contagem destes sobre os
juros vencidos ao capital e não pagos), multa extorsiva e cumulação de correção
monetária com a comissão de permanência (um índice nefasto que é apurado pelas
federações e associações financeiras visando a projeção da inflação do
período). Tudo isso figura como anatocismo, impondo ao tomador do dinheiro um
ônus excessivo, que acarretará o enriquecimento ilícito do banco emprestador. O
anatocismo fere a sociedade como um todo, extrapolando ao interesse negocial
restrito do banco e do cliente, conforme tem julgado o S.T.F.
É natural que os
contratantes busquem um ganho da outra parte. Mas o lucro ou prejuízo devem
ficar em uma margem aceitável, limitada pela razoabilidade. Sem gerar a uma das
partes um enriquecimento ilícito (por exemplo através de anatocismo, cumulação
de correção monetária, cobranças ilegais ou armadilhas
jurídicas-contábeis). O “spread” que é praticado pelo sistema bancário –
que é a diferença entre o que o banco paga ao seu aplicador/depositante e a
taxa de juros de empréstimo – é uma aberração! O que já demonstra a existência
de um possível contrato desequilibrado. E a sociedade está sujeita ao custo
desse desequilíbrio.
A micro ou
pequena empresa que contraia empréstimo bancário, está caindo em uma armadilha,
pois terá seus custos financeiros elevados em percentuais inimagináveis,
principalmente quando não honrar em dia com os seus pagamentos. Não podendo
repassar esses custos financeiros aos seus produtos e serviços (no setor
produtivo e de serviços os preços são geralmente estabilizados quando não
houver retração da economia) tornará sua atividade onerosa demais, o que na
maioria dos casos gera falência.
O crédito no
Brasil é um dos mais caros do mundo, sem qualquer possibilidade ao tomador de
gerar taxa de retorno que o remunere.
Em outras palavras, não há dinheiro no Brasil para investimento, pois ninguém
pode tomar dinheiro emprestado para fazer investimento por que não se consegue
uma taxa de retorno que pague os juros. Deve o devedor socorrer-se do Poder Judiciário para o reequilíbrio
de seus direitos e obrigações. Fere-se o princípio da comutatividade (art. 157
CC), já que há o enriquecimento ilícito do banco com a imposição de cobranças
extorsivas, e do princípio da boa-fé (art. 113 CC), vez que a imposição de
encargos impagáveis (disfarçados sob operações complexas) não coaduna com a
conduta que devem ter as partes no momento da realização do contrato. Pondo em
xeque até mesmo o próprio conceito de banco e de sua atividade de distribuir e
promover a riqueza da nação e não o seu empobrecimento.
Se proposta for
uma ação revisional de um contrato - em busca do equilíbrio perdido entre as
partes reconduzindo a relação negocial novamente à comutatividade - só se
alcançará êxito remontando-se toda uma cadeia de contratos até o contrato
último. Note-se que para se chegar a esse ponto, de ação revisional, o devedor
já terá se submetido a toda uma espécie de acordos e reescalonamentos de
dívidas. É o instituto da novação que o banco utiliza muito bem a seu favor,
novação é o modo convencional de extinção da obrigação primitiva (inicial),
pela sua substituição por outra, distinta e autônoma. Assim, esse instituto
serve de argumento para que a prova não alcance os contratos anteriores que
deram origem ao contrato último, camuflando todas as lesões, iniquidades e
desequilíbrios que porventura, tenha formado aquele contrato último. Contratos
financeiros são sucessivamente encadeados de maneira que de uma obrigação
original se desdobram outras tantas.
Portanto, a
maior dificuldade em uma ação revisional de contratos é conseguir estabelecer a
“cadeia” financeira dos contratos. E na maioria das vezes os bancos não
fornecem aos clientes cópias dos contratos que, sucedendo-se uns aos outros,
vão sepultando as ilegalidades e abusividades. É aí que entra o papel do Código
de Defesa do Consumidor, que com a abrangência que tem a parte hipossuficiente,
pode garantir ao devedor que, em juízo, reveja todas as operações que
resultaram, na maioria das vezes, no contrato último que, geralmente,
apresenta-se como “limpo” de todas as mazelas que lhe geraram.
Infelizmente o
CDC foi excluído do âmbito do arbitramento do custo do dinheiro, o que serviu
aos interesses do sistema bancário. Apenas o Conselho Monetário Nacional e ao
Banco Central cabem a regulação do custo das operações bancárias. Também o
Direito deu e dá pouca atenção ao mercado financeiro, sobretudo no varejo, onde
as pessoas são mais vulneráveis, presas fáceis.
A abertura
de crédito a curto prazo é a operação bancária que traz maior conflito para o Direito
Contratual Bancário, e a que mais afeta a sociedade. São pessoas que tomam
crédito despreparadas, diferentemente de uma grande empresa, não merecendo
assim por parte dos creditados maiores análises. E pelo fato de não ler as entrelinhas
estarão multiplicando os seus encargos. Apenas o exercício do Direito
cotidiano, buscado nos Tribunais, é que poderá afastar a abusividade que
distorce os instrumentos creditícios dos bancos, viciados em cláusulas
abusivas.
A contratação
bancária além de submeter-se aos princípios gerais da contratualística
(preconizada pelo novo Código Civil principalmente em seus artigos 157, 421 e
884 que juntos abrangem toda a questão de multas, juros e correções monetárias
ilegais) deve coadunar-se ao princípio constitucional do art. 192 que nos diz: “o sistema financeiro nacional é estruturado
de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos
interesses da coletividade”. Assim, o contrato bancário que ferir esse
princípio constitucional deverá ser revisto. E violar um princípio é muito mais
grave que transgredir uma norma.
Referências:
GARCIA, Izner
Hanna. Ilegalidade nos contratos
bancários. 3ª edição Revisada e Ampliada.
Texto muito bem redigido! É sabido por muitos que ao ingressar a Ação Revisional de Contratos impede o contraente de adquirir novos financiamentos, sem deixar de mencionar os "acordos" que os Bancos oferecem de condicionar ao cliente novos financiamentos, apenas, se for feito o pedido de desistência da ação pendente no judiciário. Triste realidade que tende a piorar em vista a situação econômica que só afunda atualmente.
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